sexta-feira, 11 de março de 2011

ArDOR - Por Sammara Vieira

Foi um parto sem anestesia. Tiraram-lhe as vísceras dos órgãos que melhor funcionavam, cérebro, coração, pulmão. Algoz como era, ela já previa o resultado de ter concebido um feto cuja vitaliciedade jamais poderia ser concebida. Ávida por mudanças como sempre fora, tinha agora que agüentar o pulsar de um coração que lhe quebrava por dentro, uma hemorragia interna que lavava seus desejos incontidos. Azarada desde sempre, ela já sabia que quando o amor lhe entranhasse pelo nariz, pelos olhos e pela boca, ela se inebriaria e arrebataria a si infligindo a ordem natural das coisas. Ela olhou para si e se assustou com a fortaleza que exibia os músculos do seu rosto, olhou novamente e se assustou com a fragilidade de um exército interior que ostentava um grito de guerra que bradava o nome dele. Não conseguira derramar uma gota de lágrima, não havia fonte, seus olhos eram agora de uma opacidade e de uma sequidão própria dos insensatos e de um pretume que se via tempestade mesmo estando eles mantidos em uma única direção, sem piscar, sem irradiar... Estáticos.

Faltava-lhe vontade, enquanto lhe jorrava determinação. Ela gritou quando viu o fruto morto. Só ela conseguiu ouvir, e só ela pode ver. Foi quando ela desejou que o criador da sua dor se dobrasse aos seus pés para que, como mandava a determinação ela pudesse lhe esmagar com o peso do próprio corpo morto, mesmo correndo o risco de dar-lhe a mão (como lhe mandava a vontade) e mais uma vez sair para passear na beira do mar. Uma frase ressoava aos seus ouvidos “Me esquece”. Portanto sua vontade era agora um devaneio que ela não mais suportaria(...)


Colaboração: Sammara Vieira.

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